divdiv
PUBLICIDADE

Felipe Fogolari

Amor Líquido

“Amor Líquido” é o título de uma das obras de Zygmunt Bauman, brilhante sociólogo, autor de vários livros, muitos deles disponíveis gratuitamente na internet. Segundo Bauman, o atual estágio da civilização pode ser denominado de “modernidade líquida”, pois o mundo está cheio de sinais contraditórios, as mudanças ocorrem de forma muito rápida e imprevisível, o que atinge de maneira implacável a capacidade de amar.

As relações humanas têm se tornado tão flexíveis a ponto de causar nas pessoas envolvidas crescente insegurança quanto ao futuro, o que estimula vínculos curtos. A insegurança gera um incremento considerável nos relacionamentos virtuais, pois as redes sociais autorizam o estabelecimento de um vínculo através de um simples clique! Mas também oferecem outro atrativo muito especial: tais relacionamentos podem ser desfeitos com a mesma facilidade, sem qualquer desgaste emocional! E isso geralmente ocorre sem nenhum contato real, físico, presencial com o(a) “outro(a)” da relação. Talvez a internet seja o laboratório onde foi gerada a nossa incapacidade de estabelecer laços de longo prazo.

Os vínculos humanos, em verdade, sempre foram frágeis. Mas nos tempos atuais a insegurança mencionada tem gerado aspirações paradoxais, pois o interesse em estreitar os laços é acompanhado de um desejo de afrouxá-los! Por um lado, a segurança de compartilhar a vida com alguém que possa prestar apoio, calor e conforto, especialmente nos momentos de dificuldades, é algo muito apreciado. Mas, por outro lado, há uma severa desconfiança com a ideia de estar ligado a alguém, em especial de forma “permanente”, pois isso implica restrições que não se pretende suportar, eis que é preciso estar livre para aproveitar outros relacionamentos!

Bauman diz que “quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar a desforra na quantidade, pois “quando se esquia sobre gelo fino, a salvação está na velocidade” (Ralph Waldo Emerson). “Estar em movimento, antes um privilégio e uma conquista, torna-se uma necessidade. Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura estimulante, vira uma tarefa cansativa. Mais importante, a desagradável incerteza e a irritante confusão, supostamente escorraçadas pela velocidade, recusam-se a sair de cena. A facilidade do desengajamento e do rompimento (a qualquer hora) não reduzem os riscos, apenas os distribuem de modo diferente, junto com as ansiedades que provocam”.

O autor enfatiza que a experiência em outras relações pode não ser a melhor guia, já que os generais que insistem em lutar tal como na última batalha vencida são inconsequentes. Enfim, não existe uma receita pronta, e um relacionamento ou a falta dele podem conduzir à mesma sensação de insegurança e/ou solidão. Além disso, Bauman invoca a analogia estabelecida por Odo Marquard entre as palavras “zwei” (dois) e “Zweifel” (dúvida), pois onde existem dois não há certeza, ou seja, ser duplo implica consentir na indeterminação do futuro!

Assim sendo, em matéria de relacionamento nada há a concluir. Por isso, para finalizar, seguem três citações ilustrativas de desilusão amorosa, amor em quantidade, e amor de qualidade, respectivamente:

“Amar? Para quê? Por um tempo, não vale a pena. / E, para sempre, é impossível” (Alexander Puschkine).

“Meu corpo é pedra em que nascem / Corais, sargaços e líquen / Que os homens todos me abracem / Só quero aqueles que passem / Não quero aqueles que fiquem” (Outras Mulheres – Joyce/Paulo César Pinheiro).

“Amor é primo da morte / E da morte vencedor / Por mais que o matem (e matam) / A cada instante de amor” (As Sem Razões do Amor – Carlos Drummond de Andrade).

Publicidade
Publicidade
    Publicidade