A hora da cruz!
Toda paixão vem acompanhada de sofrimento!
“A condição humana é a paixão de Cristo”, escreveu Clarice Lispector na sua obra A paixão segundo G. H., 2014. Toda paixão vem acompanhada de sofrimento! Na cruz de Jesus Cristo se encontra a dor daquele que “amou até o fim” (Jo 13,1) com a dor de toda humanidade. Cruz e crucificado, cruzes e crucificados são a gramática da liturgia de hoje, mergulhada no silêncio, na ausência, no trauma das vítimas.
A criação de Deus guarda a imagem do jardim, segundo o relato do Gênesis: “Javé Deus plantou um jardim em Éden, no Oriente, e aí colocou o homem que havia modelado” (2,8). A história, no entanto, não andou bem e, desde o início, o mundo criado viveu as inúmeras contradições e infidelidades ao Criador.
O evangelho de João tece um “novo jardim”, ou, uma “nova criação” na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. O grande relato que toma os dois capítulos do evangelho de hoje começa e conclui com a imagem do jardim. Há, portanto, uma grande teologia da criação no mistério de cada palavra. Deus está recriando a humanidade no seu Filho amado!
O Deus próximo, misericordioso, amoroso, era potente demais para os poderosos e os tribunais que instrumentalizavam a sua prática em outra imagem de Deus, punitivo e justiceiro. De fato, há um longo diálogo entre Pilatos e Jesus guardado apenas na tradição joanina que foi concluído com a sentença de condenação: “eis o homem” (19,5) apontando para Jesus que carregava uma coroa de espinhos e um manto vermelho. Neste “eis o homem”, pode-se ler “eis a humanidade”, ultrajada, maltratada, negociada com a liberdade de Barrabás, solitária: “crucifica-o, crucifica-o” (19,6) eram as vozes que se levantavam. Jesus, carregando uma pesada cruz, caminhou em direção ao calvário.
Há uma prece de Charles de Foucault, Oração do abandono, que ajuda a rezar e meditar a cena do calvário, a entrega de Jesus, e viver os nossos sofrimentos: “Meu Pai, em vós me abandono. Fazei de mim o que quiserdes! O que de mim fizerdes, eu vos agradeço. Estou pronto para tudo, aceito tudo contanto que a vossa vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas. Não quero outra coisa, meu Deus. Entrego a minha vida em vossas mãos”.