Todo texto bíblico deve ser lido dentro do seu contexto ou corremos o perigo de manipular a Palavra de Deus fazendo-a dizer o que nós queremos! O evangelho de João, que estamos refletindo nesses dias, foi escrito pelo ano 90-100 d.C. A comunidade cristã vivia as tensões da perseguição e da relação com os judeus. Jesus tinha sido morto pelo ano 30 e a memória da sua vida, dos seus sinais, das suas palavras era uma forma de enfrentar o mal e viver com esperança! Cada evangelho foi escrito dentro de um mapa terminológico. No texto de hoje (Jo 6, 44-51), por exemplo, Jesus diz: «Eu sou o Pão da vida!» e, em seguida, «o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo!»

A palavra «carne» é muito diferente da compreensão atual! Quando dizemos «carnal», logo vem em mente algo instintivo, geralmente ligado a sexualidade e que se opõe a espiritualidade. O termo grego usado no evangelho que foi traduzido por carne é «sarx» que significa ‘ser vivente’, ‘ser pessoa’, dentro das categorias do espaço e do tempo.

A carne de Jesus e a nossa carne, ou, a vida de Jesus e a nossa vida são chamadas a uma comunhão profunda, inseparável! A Eucaristia, ponto mais alto da fé, é «comer o Pão» que é Jesus! É uma promessa, mais do que um gesto; é uma entrega, mais do que um merecimento! Em Jesus, «carne dada ao mundo» tudo é dom, tudo é oferta! Alimentando-se de Jesus não há como levar uma vida separada d’Ele!

Teilhard de Chardin, padre jesuíta, paleontólogo e geólogo, impossibilitado de celebrar a missa quando estava em missão no deserto próximo a Mongólia, em uma meditação chamada «A missa sobre o mundo», escreveu: «já que mais uma vez, Senhor, nas estepes da Ásia, estou sem pão, sem vinho, sem altar, subirei acima dos símbolos à pura majestade do real e te oferecerei, eu, teu sacerdote, sobre o altar de toda a terra, o trabalho e a dor do mundo».

Carne de Deus na carne do mundo! Só é possível responder: Amém!