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#Artigo – Os sonhos e o conhecimento

A evolução do conhecimento científico mescla-se com a própria caminhada da humanidade

Por: Breno Pereira da Costa Vasconcellos

Nos períodos de incerteza e ignorância, aflora o lado grotesco das crendices populares, comportamento bem documentado na era medieval, v.g., a médecine de sorciére (medicina de bruxaria) e a crença herdada da Roma antiga, dias fastos e nefastos (Walter, Philippe. Croyances Populaires au Moyen Âge, Gisserot, 2017).

Desde os primórdios hipocráticos, quando a ciência estava enraizada no misticismo das deidades do Olimpo, mas já alicerçando as bases do conhecimento na observação, experimento e comparação de resultados repetidos, até a atualidade presunçosa do domínio do conhecimento, o saber comporta insights (palavra da língua inglesa que, entre suas acepções, significa inspiração, revelação) e radicais mudanças de rumo. Os avanços tecnológicos, na regra, ocorrem após longa e árdua trajetória evolutiva de pesquisa, mas, também e não raramente, per saltum, criações – só na aparência –  espontâneas do gênio humano.

A oniromancia nasceu com a humanidade, porque o sonho é dos primeiros recursos mentais da espécie para enfrentamento da dura e ameaçadora realidade. Eterna procura para afastar a névoa do desconhecido. Realidade e sonho, pari passu. No início, gêmeos univitelinos pela concepção mística da vida em si; em tempos mais laicos, separados até na forma, mas ainda com estreito liame na mente humana.

A relevância do onírico na aquisição do saber como ciência faz-se, exemplo entre tantos outros não menos importantes, com o relato do sonho de Mendeleiev, insight de criação da tabela periódica dos elementos químicos.

Aliás, a ousadia de pensar – seja na direção, seja na velocidade – é a característica básica da aquisição de novos horizontes científicos.

O tempero da ortodoxia com a quebra de parâmetros vigentes dá a tônica dos avanços no conhecimento.

O pensamento científico caminha no ritmo dos gênios. Grosso modo, a longa e lenta caminhada guiada por alguns polímatas da Antiguidade Clássica, como Hipócrates, Euclides, Galeno e o siracusano Arquimedes, passando pelo persa Avicena e os escolásticos Robert Grosseteste e Tomás de Aquino, pelos renascentistas Galileu, Da Vinci e Newton (já se direcionando ao patamar do método científico atual da observação, experimentos repetidos ad nauseam e conclusão), até os contemporâneos Darwin, Einstein, Pasteur, Fleming e, especificamente nas áreas de imunologia/virologia, Salk e Sabin, a ciência tomou a forma e a identidade contemporâneas.

Até na longa era medieva (com inicial recuo em relação ao Classicismo, porque vigente a ideia de o corpo estar entranhado da alma e qualquer manifestação de doença remetia ao etéreo espiritual), houve significativos progressos no conhecimento científico e, também, na área médica. A necessidade de conciliação entre a teoria e a prática surgiu nesta época, segundo Jacques Le Goff (in Os Intelectuais na Idade Média, fl. 146), por iniciativa de Grosseteste, Chanceler de Oxford, e principalmente seu discípulo Roger Bacon. Da mesma forma, houve invenções como os óculos em 1030 e intercorrências cirúrgicas, como trepanação, redução de fraturas, cauterizações etc. (cf. Le Goff, in Uma História do Corpo na Idade Média, neste em coautoria de Nicolas Truong, fls. 174 e 117-118, respectivamente). Também as dissecações não eram proibidas, aparecendo em ensino da medicina no início do século XIII em Bolonha e regularmente em Paris a partir de 1477 (última obra citada, fl. 119).

Mas nada escapa ao onírico. O processo mental aquisitivo de conhecimento passa pelo porão do inconsciente. E o fato de estar situado no recôndito da mente não o torna menos relevante. Sua localização e, ainda no momento, falta de conhecimento científico para acesso direto não lhe impõem posicionamento em degrau inferior ao racional na mente humana. É ainda indomável e inexpugnável, porém aliado incondicional do raciocínio.

O lado consciente organiza os fenômenos e os classifica, põe ordem na casa. Observação, experimentos incansavelmente repetidos, coleta de resultados e conclusão. A ciência do pós-Iluminismo, por vezes, é personificação da onipotência, quando desconsidera o potencial do indesvendável onírico.

A par disso, quase corriqueiramente, quanto mais profundo se adentra, mais se vislumbra a vastidão do desconhecido. E o prejuízo ao raciocínio lógico é maior, porque a especialização tende a se fazer perder o foco do conjunto examinado. Máxima da genialidade grega clássica, uma das aplicações do paradoxo socrático resume o beco-sem-saída: só sei que nada sei.

De chofre, a onipresente crise humanitária expôs a visceral fragilidade dos protocolos científicos. A ciência – humana criação – sofre com o inseguro lado burocrático do ser pensante: temos protocolos e devemos segui-los, porque desde sempre (poucas dezenas de anos…) é assim. Burocrática segurança, porque o rito assim ordena.

A pandemia atropelou tudo isso. E não foi por falta de sinais claros. Os fenômenos pandêmicos avolumam-se desde o início do século XX.

Mais recentemente, a partir de novembro de 2019, a luta se encarniça. Vírus personificando o pesadelo das ondas de pestilência medievais. E a cilada dos atuais protocolos acirra o beco-sem-saída. A ciência demora para ter uma resposta adequada ao perigo globalizado.

A questão da resposta sistêmica à doença tem que ser reavaliada. Em março deste 2020, as projeções de início da imunização da humanidade apontavam para meados de 2021. Ou seja, reação tardia e absolutamente inadequada do ponto de vista do fim em si da ciência como conquista humana.

Os protocolos para liberação de fármacos e vacinas devem ser enxugados, revendo a própria conceituação de garantia e de quantidade das etapas premonitórias à aprovação de produtos criados.

A precursora vacina russa contra COVID-19, atacada por todos os interesses comerciais concorrentes, tornou-se a pioneira em fase de aplicação. Após a primeira concatenação de ataque de todos os cantos do mundo, não muito mais se fala contra o produto criado na Rússia. Basta lembrar quem foi o primeiro homem a chegar ao espaço sideral. E, óbvia referência, a vacina russa foi nominada Sputnik V. Ousadia e precisão.

Hoje, o premente salto qualitativo de vida passa pela rápida ação contra agentes patógenos, cada vez mais agressivos e velozes, tomados o exponencial – incontrolável –crescimento da raça humana e o acesso a qualquer rincão escondido do planeta em poucas horas.

A ciência precisa ousar criativamente, porque a mutação genética dos patógenos não dá tréguas, e o ritmo das pandemias não é passível de freio com o mero isolamento social.

O ritmo da vida pressiona o aprimoramento dos vigentes processos científicos de aprovação de fármacos e vacinas.

Novos tempos, protocolos inéditos. O método científico é, precipuamente, empirismo. Observação, imaginação e criação, tentativas e, finalmente, acerto. Haverá correção de rumo. Isto exige árduo trabalho cooperativo. Os ajustes para encurtar a reação às pestilências modernas virão. Provavelmente, já estão em fase de aprimoramento pelo depreendido da antecipação de datas no cronograma de imunização da população. Aguardemos o advento do sonho criador. É da natureza da ciência, humana criação.

 

Vasconcellos e Munhoz

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