divdiv
PUBLICIDADE

Artigos

Publicidade

#Artigo – “Do direito à privacidade nos dias atuais”

Não existe maniqueísmo na tecnologia. O bem e o mal não são naturais aos engenhos, senão ao homem que as cria e utiliza

Por: Breno Pereira da Costa Vasconcelos

Do direito à privacidade nos dias atuais

Não existe maniqueísmo na tecnologia. O bem e o mal não são naturais aos engenhos, senão ao homem que as cria e utiliza.

Egocentrismo, narcisismo e hedonismo são marcas caricatas exclusivas do homem. Tudo a encobrir/desvendar o individualismo próprio ao humano.

Jorge Luis Borges, ensaísta d’O nosso pobre individualismo, na coletânea Outras inquisições, explorou – com humor inconfundível – facetas da personalidade de seus conterrâneos argentinos, liricamente comparando-os aos demais povos: no século primeiro de nossa era, Plutarco zombou daqueles que afirmavam que a lua de Atenas seria melhor do que a lua de Corinto; … Clara alusão ao ufanismo, fruto das características antes nominadas.

Tal, por óbvio, não é vezo exclusivo de nossos vizinhos, nosso mesmo, ou herança cultural havida dos atenienses e coríntios. É universal.

Os indivíduos das múltiplas sociedades humanas espalhadas pelo globo, agregados à web, querem – como nunca antes na história do homem – expor-se totalmente.

O filósofo coreano Byung-Chul Han os nomina Homo digitalis (in No enxame – Perspectivas do Digital), integrante da novel massa humana, o enxame digital. Eventualmente, mobilizam-se, mas esta massa é comparada aos animais formadores de enxames, muito efêmeros e instáveis. A volatilidade se destaca. Na obra Sociedade da Transparência, o pensador coreano descreve o agrupamento humano da era digital: A coerção por transparência nivela o próprio ser humano a um elemento funcional de um sistema.

Conectados, todos opinam e se acompanham, ação no binômio like/dislike. Com a peculiaridade de que quem opina não é formador de opinião, porque cada indivíduo tem ‘ideia própria’ e a defende sem ressalvas ou concessões. O enxame, sem ação comum às massas, carece de poder. Raros indivíduos, verdadeiros outsiders, não se conectam à web ou sequer dispõem de um celular.

A unanimidade dos indivíduos conectados à web – teoricamente livres – estão presos à própria armadilha da falsa liberdade.

A nova ordem de poder no mundo é transnacional, expressão quase material da onisciência e onipresença. São as empresas de tecnologia da informação e coleta de dados.

Governantes se socorrem desta tecnologia. Para o bem e para o mal.

Na atual crise humanitária, sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial, ausente panaceia para freio da pandemia, o isolamento social é a regra.

O controle das massas impõe-se via monitoramento individual de circulação.

Aqui, tal dispositivo já existe, conforme veiculado na imprensa.

Poucos indivíduos desapegam-se dos seus aparelhos de comunicação portáteis, mesmo nas mais triviais atividades do quotidiano.

Em tempos de contenção do movimento nas vias públicas, estando em casa ou circulando nas vias, o Estado tem controle absoluto sobre o Homo digitalis. Não só smartphones, mas os demais computadores domésticos conectados são rastreáveis. E tudo facilitado pela necessidade dos indivíduos em expor a sua própria privacidade.

Com esta ferramenta de repressão (repressão aqui como ato de império, sem conotação pejorativa), calculam os governantes conhecer o fluxo de pessoas, inclusive por faixa etária, nas comunidades, monitorando o avanço da doença ainda sem cura e traçando os rumos de sua contenção.

Com base nos dados colhidos, o Estado pode legitimamente punir infratores, justificativa na situação excepcional de guerra sanitária. O Estado de Direito ampara tal repressão. Multas, conduções coercitivas, prisões etc.

Conclusão lógica, o bem-estar coletivo sobrepõe-se à privacidade do indivíduo no estado de exceção.

Todavia, ultrapassada a peste e em curso a normalidade da vida, como desmobilizar o monitoramento antevisto por George Orwell, em 1984?

A Constituição Federal, artigo 5°, ênfase no inciso X, é o norte garantidor da intimidade e da vida privada individual.

Todavia, o desmonte do controle sobre a individualidade aparenta ser tarefa impossível. Menos por culpa do Estado ditatorial, mais por comportamento do enxame, massa disforme do Homo digitalis. A espontânea exposição irrestrita gera o paradoxo.

Somente no caso concreto e com as cautelas pré-era da web, poderá o indivíduo manter sua “unidade singular” (expressão aqui não redundante) não replicável, renegando, sem concessões, a condição de Homo digitalis.

A garantia constitucional será evidentemente mantida, mas tão-só o comportamento individual ditará a manutenção do Estado de Direito em sua plenitude. A consciência individual deveria ser amplificada ao máximo para fugir ao canto da sereia da conectividade.

Mais. A título ilustrativo, anoto um aparente paradoxo: identicamente ao posterior momento de normalidade, também no excepcional ora ainda em curso, a conduta individual regerá a própria liberdade. Não é contrassenso: o cidadão cônscio de pertencer a uma coletividade deveria ditar, tanto no período de normalidade quanto na exceção, a ação do Estado.

A tecnologia em si não é maniqueísta; quem a manipula, sim.

—————————————————————————————-

Quem é Breno Pereira da Costa Vasconcellos?

Consultor jurídico, inscrito na OAB/RS 15.642.
Atuou, desde os 25 anos, como Juiz de Direito nas Comarcas de Jaguarão, Mostardas, Seberi, Santo Ângelo, Viamão e Porto Alegre (na capital, atuou como titular na 16ª Vara da Fazenda Pública, 15ª Vara Cível, 1º Juizado e 7ª Vara Cível).
Trabalhou nos projetos de Conciliação Cível, Sentença-Zero, Falência e Concordatas, bem como de Família e Sucessões.
Em 1998, passou a atuar como juiz convocado na 2ª Câmara Especial do TJRS.
Promovido a Desembargador em 2001, ocupou o cargo até aposentar-se em 2016.
Com um senso de justiça inerente, exerceu a magistratura com muito zelo, respeito e seriedade. Seu nome é referência em celeridade processual e imparcialidade nas decisões. O cuidado, a dedicação e a honesta preocupação com cada caso são algumas das distinções que levam seu trabalho à impecabilidade.

Vasconcellos e Munhoz

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE